domingo, 22 de abril de 2012

A imaterialidade da arrogancia

Durante a noite de hoje fui visitada por uma ideia. Visita recorrente que transforma as minhas duvidas num diálogo benfazejo entre a minha pessoa e uma amiga que a leucemia levou quando ambas tínhamos sete anos de idade.
A Laura sentou-se, com as pequeninas pernas cruzadas, com os seus olhos escuros meio encobertos pela franja e esperou que eu dissesse o porquê de a ter chamado. Respirei fundo, com as lágrimas a quererem afogar-me o peito.
"- Sinto que sou melhor do que os outros..."
"- E choras por teres descoberto que és tão arrogante como a maioria das pessoas que habitam o planeta?"
"- Não. Choro porque quase todas elas conseguem comprovar isso, senão aos outros, pelo menos a si próprias. Já eu não me sinto capaz nem de uma nem de outra coisa!"
Lambi as comissuras da boca pastosa; percebi que estava demasiado emocionada para prosseguir e deixei-a retomar a conversa.
"- O que tu sentes, querida amiga, é que não terás sucesso, que não te conseguirás destacar dos demais e, por conseguinte, que falhaste no sonho de seres admirada. O que resta que descubras é que andas demasiado ocupada a sentir e pouco inclinada a concretizar."
"- Não... Se eu concretizo isso significa que me transformo num ser em poder de todas as suas faculdades e..."
"- ... Por consequência, melhor para uns, pior para outros, mas igual para ti. Sendo que és demasiado arrogante para aceitares que és de facto igual a todas as insignificâncias que tanto te assustam!"
"- Precisamente! No entanto, também me consciencializei que, este não querer fazer para não estar inserida, equivale a uma sanidade defensiva que me torna..."
"- Igual."
A Laura sorriu-me saboreando a partilha da insanidade momentânea.
Sempre me soubera colocar no lugar certo com palavras pequenas. À medida que a morte a distanciava de quem fora e a aproximava de quem eu queria que ela viesse a ser, tornara-se mais provocatória, quase acintosa.
"- Mas como te propões ser diferente se sabes que todos os traços de personalidade foram e são neste mesmo espaço em que vives? Como alterar a existência provocando essa reforma de carácter que tanto buscas e que não seria compreendida, quando concretizada, por ti ou pela restante sociedade? Optas pela loucura, criminalidade, beatificação, niilismo absolutista? Como te queres comer mantendo-te viva? Como ser o que não existe?"
"- Mas tenho que arranjar maneira de permanecer diferente... de ser... eu!"
"- És uma compilação, uma deformação de verdades que acabam por ter variantes mais ou menos escabrosas a partir do momento em que as tentas desvendar. Um universo como outros tantos milhares que acabará esquecido e resguardado pelo pó se, tiveres a sorte de ter alguém que venha a ter conhecimento da tua partida. O que te digo é que chores o que tens para chorar e que te mantenhas inconformada... Igual mas pelo menos um tanto ou quanto original... Mas isto é apenas a minha opinião!"

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