É uma daquelas noites em que amanhece antes que tenhamos tempo para pôr os pensamentos em ordem... Uma daquelas noites em que nos convencemos de que por mais que bebamos não ficamos ébrias.
Ao nosso lado está aquele jovem que nos olha sempre com uma atenção incómoda; que nos segue o bambolear escadas acima, escadas abaixo, que atenciosamente escuta os nossos devaneios de mulheres desvalidas e desvairadas. Sabemos que ele é pacato, seguro. Tratamo-lo sempre por amigo estando mais que conscientes dos sentimentos que nutre por nós e, como precisamos de companhia, colocamos-lhe uma mão no ombro... inadvertidamente, claro.
Sabemos que ele sai do bar onde estamos, noite após noite, depois da nossa saída. Oferece-nos sempre boleia e aguarda, aguarda, aguarda... que o olhemos de outra maneira, que nos apercebamos de que ele não nos faria sofrer como o mariola que nos faz beber daquela forma!
Ao contrário do que pensam os outros homens, este rapaz não é, aos nosso olhos, feio... Apenas nos causa uma certa aversão pela subserviência que tenta demonstrar quando o outro, o que nos incita ao apaixonamento desbragado é um desnorte de autoconfiança e está, àquelas horas, nos braços de uma catraia qualquer, gingando-lhe o corpo de lado, de quatro, de frente; e quando esta imagem nos atravessa a mente ficamos com os olhos rasos de lágrimas, muitas vezes com mais raiva de nós mesmas que desse enfadado do amor!
Vai que há um dia em que o convidamos a entrar em casa para uma bebida... Já não nos temos nas pernas e, antes de ele se sentar no nosso sofá já nós estamos a correr para a casa de banho vertendo bílis boca fora.
Sentadas, suadas, com o corpo a tremer, a maquilhagem a escorrer cara abaixo e um aroma pestilento na nossa boca, conversamos mais um pouco, dizendo como somos desgraçadas, incitando a que ele concorde que o que sentimos por ele, o outro, é algo de diferente, de belo e que o dito animal não entende o que está a perder!
Sabemos no que isto vai dar e, nesse dia, arriscamos a permissão. Ele agarra os nossos lábios com demasiada fome e nós que esperávamos delicadeza só lhe ouvimos um rufar estranho no peito. Levamos a mão ao seu pescoço e pensamos que a jugular lhe esconde o coração e não apenas o batimento cardíaco. Temos medo que o rapaz rebente. Mas a confusão já é muita e ele confunde todos os nossos gestos com entusiasmo e esforça-se o mais possível para que aquele momento nos prove que somos almas gémeas.
A língua dele entra-nos na boca e sentimo-la muito grossa; pela primeira vez pensamos na quantidade absurda de coisas bebíveis e comestíveis que por ali passaram desde a ultima que o tipo lavou os dentes. Arrepios gelados! A saliva é mais grossa, mais pastosa. O corpo não se adqua aos nossos desejos. Um nojo indescritível atravessa-nos a pele.
Por vezes temos a sorte de parar antes da consumação.
Hoje, conversando com uma amiga, recordei o sentimento da inadequação da concretização de desejos que nos são alheios.
O sexo por pena existe e, as mulheres que já passaram pelo que lêem sabem que a pena é, por norma, de nós mesmas!
Tempos tristes que nos enriquecem o presente e o futuro quando sabemos o que é, de facto, amar e ser amada.
Um sentido bem haja ao rapaz que todas nós sabemos quem foi...
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