quinta-feira, 31 de maio de 2012

Os crimes do Néné


Insistiam em chamar-lhe Néné! A mãe dera-lhe o nome de Manuel porque lhe sentiu uma certa aristocracia nas tripas e vai que a malta insistia no tratamento facilitado, no infantilizar o grandioso.
Já passara a barreira dos quarenta, já deixara as camisas de manga curta e os sapatinhos de vela. Punha má cara de todas as vezes que soava aquele nome que lhe dava um formigueiro na barriga mas o pessoal insistia em buzinar "Néné, tás bom pá?"
Acabara com as festas na casa da família, ultimo resquício da herança que fizera de conta que seria eterna; acabara com os engates e com as cismas filosóficas; criara uma ruga vincada no meio da testa de tão mal que acatava aquele chamamento, até ganhara o hábito de cuspir no chão (mania pequeno-burguesa que lhe granjeara o epíteto de cagão endinheirado e malcriado) mas nem assim aquela gente entendia que a sua graça era MANUEL!
Pequenez de Zé povinho, era o que a mãe lhe diria, esquecendo que a sua progenitora havia sido a criadita dos latifundiários de Montemor, e sabe Deus que outros trabalhinhos havia feito para além de lhes corar os brancos antes de virar uma "senhora".
Mas isto, aos olhos de Manuel eram as chamadas putices da vida, nada que lhe corresse no sangue. Havia que fazer o possível, e esse possível era uma impossibilidade quando rodeado de mentecaptos que se diziam homens mas tiravam cursos com nomes efeminados como "serviço social" e outros quejandos.
Cirandava, como os outros, na cidade dos estudantes, perdendo a conta às matrículas, sendo encontrado pela rua com livros debaixo do braço; livros que nunca lia. A porra da imagem...
Desgaste, era tudo o que sentia! E pensar que havia quem achasse que a vida era curta, que deveríamos ser eternos, combativos, belos... Anarquistas emocionais! Não passavam de reaccionários do bem falar e do mal existir. Havia de ser uma coisa esperta ver aquela cambada num mundo perfeito, sem fome, sem guerras, sem doenças. Direccionavam aquela vontade de valorizar o individual, a vaidade de ser bom e lutar pelos seus ideais para onde? Acabavam todos a enrabar a mãe era o que era!
Já desistira de verbalizar estes pensamentos. Havia sempre uma loira de pele curtida pelo solário, morta de fome e de curvas convencionais, saída de um livrinho da Anais Nin para lhe falar do Freud e das psicoses virosais que lhe atacavam a espinha! Puta que as pariu!
5 horas e ele sem dormir... Dava voltas à piscina que tinha um verdete estranho nas bordas tal como ele tinha uma coroa Santo Antonina a enfeitar-lhe a cabeça. Cabeça de vento, cabeça de pecados, cabeça oca, cabeça, cabeça... Era para o que esta gente vivia... Se lhe chupassem a cabeça da gaita em vez de lhe azucrinarem a alma com ideias que não interessavam nem ao dito do menino Jesus!
E então? E se não lhe apetecesse fazer porra nenhuma com a vida que em sorte lhe calhara? Era uma mal danado que vinha ao mundo, querem lá ver? Que o deixassem em sossego era só o que pedia.

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